Partidos políticos, a quem o MPLA na sua celestial misericórdia confere o direito (embora provisório e revogável a qualquer momento) de fazerem oposição em Angola, defenderam hoje que o Presidente (não nominalmente eleito), João Lourenço, “não deve promulgar” a lei que altera a lei orgânica das eleições gerais, aprovada na quarta-feira, por conter normas que atentam contra transparência das eleições.
É preciso ser ingénuo. Como é que a lei mandada aprovar por João Lourenço poderia atentar contra algo que não existe, que nunca existiu – transparência eleitoral?
Os partidos políticos na oposição com assento no parlamento MPLA apresentaram hoje em conferência de imprensa uma declaração conjunta sobre a referida lei, aprovada na quarta-feira apenas com votos favoráveis dos sipaios do regime, congregados no MPLA, seita que só chegou ao Poder há quase… 46 anos.
(Tradução para a ERCA – Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana,
sucursal do MPLA: “Seita”, para além de “bando” também significa “partido”)
Para a oposição parlamentar que o MPLA ainda permite como factor decorativo, “em nome da paz, da estabilidade política, da verdadeira democracia e da credibilidade de Angola a nível do mundo, o titular do poder executivo e Presidente do regime não deve promulgar esta lei”.
“E que faça voltar ao parlamento, tal como fez com o Código Penal, para se expurgar dela tudo o que atenta à transparência das eleições”, pede a oposição angolana.
O parlamento do MPLA aprovou na quarta-feira na globalidade a lei de alteração à lei orgânica das eleições gerais, com votos contra da oposição, que considerou o documento como “lei da fraude eleitoral”, enquanto o MPLA enalteceu o diploma. O projecto de lei foi aprovado com 126 votos a favor do MPLA, 52 votos contra e uma abstenção durante a 12ª reunião plenária extraordinária da Assembleia Nacional (parlamento).
A iniciativa legislativa resulta da fusão dos projectos de lei de alteração propostos pelos grupos parlamentares do MPLA e da UNITA.
Hoje, os grupos parlamentares da UNITA, da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), a representação parlamentar do Partido de Renovação Social (PRS) e o grupo de deputados não integrados em nenhum grupo parlamentar consideraram a referida lei como a “lei da fraude ou da corrupção eleitoral”.
“Porque ela (a lei) elimina ou reduz os mecanismos de controlo da transparência eleitoral e transforma em lei as práticas que sustentam a fraude. A lei eleitoral do regime facilita o voto múltiplo, porque não se dá baixa dos votantes nos cadernos eleitorais em tempo real e permite que centenas de milhares de pessoas votem antes do dia da eleição”, lê-se na declaração conjunta.
Pois é. Mas onde está a novidade? Desde sempre, o MPLA consegue não só arregimentar até os votos de quem já morreu como, ainda, multiplicar os votos de tal maneira que em algumas “mesas” vão aparecer muitos mais votos do que cidadãos inscritos.
Segundo a oposição, a “lei eleitoral do regime legaliza o voto desigual”, porque “permite que os partidos concorrentes se confundam com o Estado, não garante o acesso igual dos concorrentes ao uso dos recursos públicos e reduz a presença de fiscais nas mesas de voto”.
Mas para quê fiscais? Todos sabem que, nesta altura, já o núcleo duro do MPLA sabe qual vai ser a percentagem da sua vitória, ou a máquina não tivesse capacidade para converter, por exemplo, votos na UNITA em votos no MPLA.
A oposição “rejeita a proposta para se garantir a unidade do voto e a integridade da identidade do eleitor por via da disponibilidade de uma simples aplicação informática nas assembleias de votos com os dados biométricos dos eleitores em cada província”.
O que se passou na quarta-feira no parlamento do MPLA, diz a oposição, “não foi um simples facto de votação de uma lei e nem foi uma mera divergência entre os deputados eleitos pelo povo”.
Foi “um acto de traição à pátria um acto de agressão aos fundamentos da República de Angola, um acto de subversão da democracia para impedir o exercício livre, universal e igual da soberania popular. Um acto ilegítimo, apesar de legal”, considera a oposição.
Os partidos entendem também que Angola “precisa de ser libertada da má governação e o Estado de direito precisa de ser resgatado. A democracia vai libertar Angola e os angolanos vão resgatar o Estado”.
“E quando dissemos os angolanos, incluímos, naturalmente, os dirigentes e os militantes do regime que também estão amordaçados e são prisioneiros do sistema corruptor e corrompido que o regime instalou em Angola”, observam.
“Só há uma maneira de fazermos isso. É a união das forças patrióticas para vencer a tirania e a má governação. É a união das forças democráticas antes, durante e depois das eleições de 2022”, referem ainda, na posição conjunta. Isto, é claro, na ingénua e infantil presunção de que haverá eleições e, mais ainda, que o MPLA não irá pôr ordem e em ordem a oposição, reeditando a estratégia que usou nos massacres de 27 de Maio de 1977.
Para a UNITA, CASA-CE, PRS e os deputados não integrados em grupos parlamentares “só há duas escolhas para 2022: de um lado, Angola, do outro, o regime”.
O MPLA votou favoravelmente porque, justificou o seu sipaio Tomás da Silva, a lei revista ora aprovada resulta da fusão da iniciativa legislativa dos dois maiores partidos que “discutiram na especialidade exaustivamente os artigos”.
“O voto contra só pode ser por birra ou uma vez mais o velho fantasma da fraude. A presente lei revista defende prazos para a realização dos actos eleitorais e atribui maiores garantias de eficácia e isenção aos trabalhos das mesas de voto”, argumentou o deputado, na sua declaração de voto escrutinada previamente pelo Presidente do MPLA, João Lourenço.
As próximas eleições gerais em Angola estão previstas (nada mais do que isso) para 2022. O registo eleitoral arranca em finais deste mês de Setembro no país e no exterior.
É claro que, mais uma vez, esses partidos da oposição vão pedir a ajuda da comunidade internacional, seja na sensibilização do MPLA para a transparência, seja eventualmente na observação das votações. Será, mais uma vez, chover no molhado. No caso de Portugal, não nos admirava que nos areópagos partidários de Lisboa, PS, PSD, PCP e similares já tenham escrito o telegrama de felicitações pela vitória do MPLA. Sem esquecer aquele que (como nas anteriores) será o primeiro a felicitar João Lourenço, mesmo antes da divulgação dos resultados – Marcelo Rebelo de Sousa.
Folha 8 com Lusa